A
avaliação da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é que o
Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo),
lançado pela Presidenta Dilma Rousseff no dia 17 de outubro, é
positivo e representa uma conquista dos movimentos sociais do campo,
embora esteja aquém das demandas das organizações e agricultores.
Essa é a análise de Denis Monteiro, secretário executivo da ANA.
Segundo ele, existem possibilidades significativas para o avanço da
agroecologia no Brasil desde que haja uma participação ativa da
sociedade e do governo para a execução das iniciativas e metas do
plano.
Qual
a avaliação dos movimentos em relação ao Plano Nacional de
Agroecologia e Produção Orgânica que foi lançado e vai até 2015?
É
uma grande conquista dos movimentos sociais do campo, e aqui vale
destacar o protagonismo das mulheres e da Marcha das Margaridas. É
uma oportunidade para aumentar e diversificar a produção
agroecológica em todos os lugares do Brasil, envolvendo mais
agricultores e agricultoras nas dinâmicas sociais de promoção da
agroecologia. Não tivemos surpresas com o seu conteúdo, o Plano é
muito próximo das últimas versões discutidas e apresentadas nas
reuniões da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
(CNAPO). Foi interessante que o ato de lançamento contou com o
anúncio de diversas iniciativas concretas previstas no plano, que já
cobrávamos do governo há meses: a assinatura do acordo do Programa
Ecoforte, de fortalecimento de redes de promoção da agroecologia, a
Chamada de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para
Agroecologia, outra para pescadores artesanais, a assinatura de um
acordo do BNDES com a ASA (Articulação Semiárido Brasileiro) para
a construção de tecnologias sociais de armazenamento de água para
produção e estruturação de bancos comunitários de sementes.
Embora
o lançamento tenha demorado alguns meses além do que esperávamos,
foi feito com o anúncio de medidas concretas e isso é positivo. Foi
a primeira vez que vimos uma Presidenta da República falando
claramente em agroecologia, enfim o Estado brasileiro começa a
reconhecer a agroecologia e seu potencial para a produção de
alimentos saudáveis e conservação dos bens comuns, dando mais voz
e espaço à cidadania e ao povo que aos interesses das grandes
corporações, como disse a Presidenta Dilma por ocasião das
manifestações de junho. Mas não é o plano dos nossos sonhos. Se
nós da ANA construíssemos um plano ele seria muito mais ambicioso,
teria mais recursos alocados e mais iniciativas. Mas é uma grande
oportunidade para avançarmos na internalização do enfoque
agroecológico nas instituições públicas de ensino, pesquisa e
extensão e no fortalecimento das organizações da sociedade civil
que historicamente trabalham com a promoção da agroecologia, mas
para isso seguiremos cobrando do governo a revisão do marco legal
que regula a relação entre o Estado e a Sociedade Civil no que diz
respeito ao acesso a recursos públicos para o desenvolvimento, pois
sem o protagonismo das organizações da sociedade civil, não se
avança na promoção da agroecologia.
No
processo de instituição da política e elaboração do plano, as
organizações questionaram muito a ausência da reforma agrária na
pauta.
Desde
o decreto que institui a política, fizemos a crítica da ausência
da reforma agrária e da garantia dos direitos territoriais das
populações tradicionais. Achamos inadmissível que o governo
federal fique refém do pacto de economia política que favorece as
multinacionais do agronegócio e os latifúndios e interdita o debate
sobre a necessidade da reforma agrária e da garantia dos direitos
territoriais das populações tradicionais. Consideramos que foi
importante o anúncio, durante o lançamento do Planapo, que até o
final deste ano de 2013 serão editados cem decretos de
desapropriação de grandes fazendas para fins de reforma agrária.
Reivindicamos reiteradamente que sem a realização da reforma
agrária não é possível avançar na agroecologia, embora a gente
saiba que esses cem decretos estão muitíssimo aquém das demandas
dos movimentos sociais e das necessidades históricas do campesinato.
Consideramos de grande relevância política que esses decretos de
desapropriação tenham sido anunciados junto com o plano de
agroecologia, pois sinaliza que é preciso garantir terras para os
agricultores familiares e as comunidades tradicionais se queremos
avançar na promoção da agroecologia. A base social da agroecologia
é a agricultura familiar, camponesa, e as populações tradicionais,
que hoje estão ameaçadas no contexto de avanço do agronegócio.
Essas populações vêm sendo desterritorializadas, e o processo de
reforma agrária continua praticamente parado. Tomara que esse
anúncio tenha sido um movimento no sentido de recolocar na agenda
política do Brasil a questão da reforma agrária, só vamos avançar
com a agroecologia se tivermos uma reestruturação da propriedade da
terra no Brasil, que hoje é extremamente concentrada. Isso é um
limite estrutural, e precisa ser superado. Vamos cobrar do governo os
decretos de desapropriações prometidos como se fossem metas do
plano de agroecologia.
Como
será o funcionamento do plano a partir do lançamento e a
participação da sociedade nessa dinâmica, inclusive no controle
social?
Na
reunião da CNAPO que seguiu o lançamento do Plano foram instituídas
algumas subcomissões temáticas e grupos de trabalho. Tem um grupo
de trabalho previsto no plano para construir um Programa Nacional de
Redução do Uso de Agrotóxicos, nossa expectativa é que ele seja
formalizado e tenha uma participação ativa da sociedade civil e do
governo para sua realização, pois a situação é dramática e um
país que merece um plano de agroecologia não pode continuar com o
título de campeão mundial no uso de agrotóxicos. Uma subcomissão
formada foi sobre conhecimento, que será responsável por desenhar,
implementar e monitorar as medidas relacionadas a Ater, a pesquisa e
o ensino. A outra é sobre sementes, e vai trabalhar sobre a agenda
da ampliação do trabalho de promoção das sementes crioulas e
varietais para enfrentar esse processo de grave erosão genética e
avanço dos transgênicos no Brasil. Há uma subcomissão sobre
produção, fomento, crédito e agroindústria, que vai traçar as
estratégias para redesenhar a política de crédito para a
agricultura familiar, porque hoje o crédito tem sido um instrumento
para atrelar a agricultura familiar às cadeias do agronegócio com a
compra de insumos químicos e especialização da produção. Então
esse crédito precisa ser redesenhado para que o financiamento
público seja orientado para promover os sistemas agroecológicos.
Também tem uma subcomissão sobre sociobiodiversidade que vai ser
responsável por iniciativas relacionadas ao agroextrativismo, ao
incentivo à produção e beneficiamento de plantas nativas, como a
juçara, o açaí, a castanha, o pinhão, entre outros. Além dessas,
há uma subcomissão de insumos, que vai tratar da agenda de
regularização dos insumos para produção orgânica, pois o Estado
tem sido ágil para liberar agrotóxicos, mas extremamente lento para
registrar e liberar para comercialização produtos para produção
orgânica. E a subcomissão temática de produção orgânica, que já
existia. Foi criada também a subcomissão de gênero, os movimentos
de mulheres vão ter uma atenção específica às ações e
políticas para as mulheres, mas também vão participar das outras
subcomissões para discutir como as iniciativas incorporam o
incentivo à participação e protagonismo das mulheres.
Então
foram instaladas essas subcomissões que vão fazer o desenho mais
detalhado das iniciativas e um acompanhamento da execução do plano.
Não adianta ter um plano com ações interessantes e guardadas na
gaveta sem operacionalização. A Presidenta Dilma também deu o
recado para os seus ministros e secretários responsáveis por tocar
essa agenda, que as metas têm que ser executadas. Então vamos
continuar cobrando. As metas tem que ser executadas com a
participação ativa da sociedade civil, não há construção da
agroecologia sem as organizações dos agricultores e sem fortalecer
as organizações de assessoria que vêm construindo a agroecologia,
algumas há trinta anos, muitas vezes sem o apoio do Estado. Agora
que o Estado começa a reconhecer a agroecologia e desenha um plano
nacional, esse protagonismo da sociedade civil não pode ser
abandonado.
O
plano também será objeto de debate e monitoramento em outros
espaços de controle social, como o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF) e o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), assim como nas comissões
estaduais da produção orgânica.
Tem
mais alguma questão em relação a esse lançamento que mereça
destaque?
Uma
questão que a Presidenta Dilma destacou em seu discurso é a
importância do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O
programa vem recebendo ataques pela grande mídia, e sofrendo até
questionamentos do governo norte americano, e a ANA repudia essas
tentativas de desqualificá-lo, já inclusive publicamos uma carta
aberta assinada com mais de cem organizações. Esse programa é
muito bem sucedido, e absolutamente estratégico para o plano de
agroecologia, porque viabiliza fomenta a diversificação da produção
da agricultura familiar e a comercialização com a compra pelo
Estado para os programas públicos de promoção da segurança
alimentar e nutricional. Atua inclusive na dinamização de redes
territoriais de promoção do uso e conservação das sementes
crioulas. A Presidenta deu o recado claro, em seu discurso, que o
programa será mantido e fortalecido, o que é muito importante nesse
contexto de uma ofensiva de quem não quer que o programa dê certo.
Outro destaque é o programa Ecoforte de fortalecimento das redes de
promoção da agroecologia, produção orgânica e extrativismo. Esse
programa lançado junto com o Plano tem um papel fundamental. Sabemos
que o sucesso do plano vai depender da nossa capacidade de
mobilização e pressão, e para isso estaremos empenhados, sobretudo
agora que estamos mobilizados na preparação do III Encontro
Nacional de Agroecologia.
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