03 outubro 2021

Matéria: Agricultura urbana e o desafio de alimentar as populações metropolitanas

 Fonte: Diário do Nordeste

produção de alimentos é tema caríssimo ao planejamento do país, conforme nos alertava Josué de Castro desde os anos 1940. Daquele momento para cá, a novidade do contexto brasileiro é a necessidade de alimentação de uma população vulnerável, cada vez mais urbana e que habita em metrópoles ou aglomerações de médio porte.

Como parte da solução desses problemas socioeconômicos, mudanças de paradigmas são estratégicas para as pessoas e para o meio ambiente urbano. Para este último caso, a cidade, além de espaço consumidor ou absorvente da produção, é capaz de gerar quantidade expressiva de alimentos baratos e saudáveis.

A Organização das Nações Unidas ratificou essa percepção e elencou, entre os objetivos do milênio, a construção de cidades e comunidades sustentáveis e, ao mesmo tempo, capazes de erradicar a pobreza.

Mundialmente, pesquisas demonstram a existência crescente de práticas, ações e modelos de produção alimentar no centro e nas franjas metropolitanas. Em Fortaleza, por exemplo, bairros como Barra do Ceará, Lagoa Redonda, Sabiaguaba, Parque Dois Irmãos e José Walter são produtores de alimentos em quintais e sítios, baseados na organização familiar.

Para entender melhor essas possibilidades, compartilho com os leitores entrevista que realizei com a professora Iara Gomes, coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Geografia da Alimentação (NUPEGA), do departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará.

Qual é o objetivo central do NUPEGA?

Iara GomesNossas atividades têm foco na temática da alimentação por compreender sua importância e indispensabilidade para sociedade. Há diferentes temas relacionados à questão alimentar, como agronegócio, segurança/soberania alimentar, formas de produção de alimentos e a questão da fome, que é um assunto que tem voltado a ocupar espaço de prioridade na lista de preocupações das sociedades do mundo todo, inclusive no Brasil.

Sabedores da elevação dos indicadores de pobreza e insegurança alimentar, que projeto ou ações de agricultura urbana contribuíram para solucionar essas calamidades?

I.GPrimeiro considero fundamental, perceber a viabilidade econômico-financeira da agricultura sustentável nas regiões metropolitanas, depois é muito importante termos conhecimento das variáveis as quais ela depende para comercialização em cadeias mais curtas, investir nessas cadeias é valioso, ampliar a capacidade de financiamento os agricultores urbanos, e ao mesmo tempo do acesso à terra, para os agricultores urbanos, para ampliar o papel da agricultura no sistema alimentar metropolitano, contribuir com a conservação e preservação do seu meio ambiente e, sobretudo, alimentar um número cada vez maior de pessoas.

Na sua avaliação e nas suas pesquisas, já há avaliação acerca das ações das municipalidades na produção de ambiente favorável ao fortalecimento da agricultura urbana?

I.GSim, no Brasil, temos municípios com um avanço, um bom exemplo é Belo Horizonte, que tem uma longa trajetória de trabalhos em torno da agricultura urbana. Ainda na década de 1990, implantou-se quatro Centros de Vivência Agroecológico (CEVAE) equipamentos públicos sobre a gestão da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. A Secretaria Municipal de Políticas Urbanas (SMURBE) e a ONG Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas (REDE), no período de 2005 a 2008, assumiram o Programa Cidades Cultivado para o Futuro (CCF).

Aqui no Nordeste, algumas metrópoles tem encaminhando suas políticas, em Fortaleza, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza, possui a Comissão em Agricultura Urbana; em Recife, a Secretaria Executiva de Agricultura Urbana; em Salvador, as Secretarias de Sustentabilidade e Resiliência (SECIS); Saúde (SMS) e Promoção Social (SEMPRE). Destaques para Recife e seu Plano de Agroecologia Urbana em elaboração e Natal com aprovou recentemente da Lei n.º 7.018, de 16 de março de 2020, que institui a Política de Apoio à Agricultura Urbana e Periurbana do Município do Natal, integrada à política urbana e de segurança alimentar e nutricional da população.

Ainda de acordo com a pesquisadora, resultados de estudos recentes apontam que Fortaleza vai na contramão do desejado. Entre os anos de 2009 e 2019, mapeamentos demonstram que em Fortaleza a área destinada à produção diminuiu cerca de 50%. A professora Iara Gomes avalia: “Este resultado revelou uma situação bastante preocupante relativa à perda dos espaços produtivos de Fortaleza, evidenciando, mais uma vez, a situação de vulnerabilidade na qual estes espaços se encontram, ainda subjugados pela força da lógica hegemônica de produção do urbano”.

Na revisão do Plano Diretor de Fortaleza, esperamos atenção e prioridade a esse tema. Se há intenção de modernizar a cidade para as próximas décadas, o caminho não seria a redução das áreas verdes ou aquelas destinadas ao plantio. Apoiado nos bons exemplos citados, o incentivo à agricultura urbana representaria mais emprego, maior oferta de alimentos frescos e elevação da qualidade de vida dos citadinos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário